Image

O Acontece teve a honra de conversar com o Roberto Chitsondzo, ícone da musica ligeira moçambicana, nascido no dia 9 de Agosto de 1961, na cidade de Xai-Xai. Para além de revelar-nos um pouco sobre a sua infância, Chitsondzo, falou-nos do evento KWIRI (que em português significa Ventre) segundo o nosso entrevistado “é uma homenagem à figura da Mãe, por ela ser quem nos transporta nos 9 meses da nossa gestação” ,disse. acompanhe na íntegra a entrevista.


Acontece: Roberto Chitsondzo, conte-nos um pouco da sua história. (Uma espécie de mini biografia)

RC: Chamo-me Roberto Maximiamo Chitsondzo, conhecido em alguns círculos professor. Mas na maior parte dos círculos sou conhecido como músico. Em outros como deputado, pois cumpri um mandato de 20 anos na Assembleia da República de Moçambique.

Nasci em Xai-Xai, com a feliz sorte de ser do signo Leão, sou de 9 de Agosto de 1961. Naquela altura, eu nasci no quintal da casa da minha avó, dentro de casa, sendo que ainda hoje conheço o local, e a minha parteira, que era uma senhora vizinha chamada Vovó Jena. Ainda hoje convivemos com a filha, a Dona Sofia.

A: Quando sentiu “comichão” nos dedos para começar a tocar guitarra? Este instrumento foi o primeiro que aprendeu? 

RC: Parte da minha história é relacionada com a música. Um dos meus irmãos, o Luís, vinha com seus amigos a casa tocar guitarra e eu aproveitava, quando ele não estivesse, para ir mexer a guitarra, e ele deu-me uns bons puxões de orelha, por que eu desafinava sempre a viola. Mas eu arranjei alternativa, tinha lá um amigo, que era empregado da casa vizinha, da casa da Dona Sofia, um senhor chamado André, ele tinha uma viola de lata e ele emprestava-me. Eu passava a maior parte do tempo lá com a viola, e quando podia ficava lá nos fundos da casa dele, lá na zona dos empregados, para poder tocar viola lá no quartinho dele.

A: Quando jovem, participou em muitos grupos musicais? Esses grupos musicais tocavam o mesmo género de música?

RC: Na escola, quando fui para o ensino preparatório, comecei a interessar-me por grupos que existiam lá na zona, existiam vizinhos que tocavam no grupo da Câmara Municipal…na Igreja eu fazia parte do Coro da igreja, das crianças, e a Madre Superior disse-me que eu tinha voz de tenor, eu lá sabia o que era voz de tenor (risos) …e o tempo foi andando. E assim foi a minha infância, uma infância alegre, ligada também ao desporto, no qual nós encontrávamos dois campos de football, um do Ferroviário de Xai-Xai e outro do Clube de Gaza, e a nossa casa era entre esses sítios, e havia também uma linha férrea. As nossas brincadeiras eram essas de policia-ladrão, escondidas, os índios…

O Coro da Igreja, na Igreja Católica, onde cantávamos haviam representações para algumas festas como a de São João, alguma musica para o Natal… já fiz o papel de pastorinho (risos). Então todas essas brincadeiras levavam-nos a pensar que era possível fazer alguma coisa útil para a sociedade em que estávamos e isso animava-nos. Mas também devo dizer que em certa medida sabíamos muito bem que era aquilo que acontecia ali, pois a nossa cidade era muito pequena na altura.

A: Como surgiu “Ghorwane”?  

RC: Antes de Ghorwane eu passei por muitos grupos. Passei por vários grupos na escola, e depois nas cidades onde vivi também, antes de chegar aos Ghorwane.  

Eu vim para aqui (Maputo) para um Curso de Educação Física, mas depois arranquei para Quelimane, para a Escola de Educação Física. Foi possível que eu fosse instruído em pouco tempo, que eu pudesse dar aulas, então fui para o curso acelerado de Professor de Educação Física. Lá em Quelimane encontrei outros tipos de jovens, com seus grupos musicais, e eu participava nesses grupos, no caso do Primeiro de Maio, EmoPesca, os Continuadores…depois fui colocado para a Província de Inhambane e lá os Professores tinham um grupo e eu por lá fiquei… gravávamos algumas músicas, entrevistas com a Rádio Moçambique, aqui em Maputo, com Josino Fakira e Luísa Meneses, no Programa que se chamava “No Coração da Noite”. Eu vim para aqui (Maputo) mais tarde com a perspetiva de gravar, também por que ganhei um Concurso da Canção que era do primeiro recenseamento da população em Moçambique, uma canção que era para fazer o indicativo dos programas diários da divulgação desse programa do recenseamento da população. Por isso tive a possibilidade de gravar na rádio. Então lá participei em alguns concertos, como com os “ABC68”, um grupo de jovens virados mais para o Rock, que não era para aquilo que era a minha inspiração. Ora não gravei, gravou outro colega chamado Inácio de Sousa, que era um aspirante aos novos músicos e compositores na época e eu só vim a gravar em 84 quando com Pedro Langa fizemos o trato, ele já tinha banda, vinha de uma banda chamada Xigutsa – Vuma e eu passei a integrar, depois de gravar as minhas músicas na rádio e de ser transferido, por motivos de saúde da minha primeira filha, que é deficiente auditiva, e que em Inhambane não haviam condições para fazer seguimento médico, e por isso fiquei por aqui, no grupo Ghorwane, até hoje.

A: O que significa “Kwiri” e o que significa o show para si?

 RC: Kwiri significa Ventre, ou barriga, nesta vertente em que nós estamos a abordar, este Kwiri é o Ventre da Mãe, é uma homenagem à figura da Mãe, por ela ser quem nos transporta nos 9 meses da nossa gestação, e depois vamos crescendo ao longo da nossa vida, e claro faço uma comparação entre o ventre e um almofariz, que é um pilão. Pelo pilão passam vários alimentos, milho, alho, feijões, cana de açúcar, piri-piri, entre outras coisas. O sabor destes alimentos é totalmente diferente. Pelo ventre da nossa Mãe passam vários filhos, cada filho tem a sua “paulada” (risos), uns mais bonitos que os outros, uns mais inteligentes que os outros, mas todos passamos pelo ventre da nossa Mãe e ela faz-nos, certamente, com muito amor, qualquer Mãe gosta de seus filhos, ama seus filhos, tanto no período da gestação como no período do crescimento da criança. Ela não pode ser imputada a qualquer erro, a cada tendência negativa de seus filhos. O que eles fazem aqui fora é por sua conta e ela não pode ser sancionada pelos erros desses filhos. Nesta nossa homenagem nós dizemos que “não tens que te preocupar pela maneira em que uma e outra criança, que tu soubeste fazer crescer, segue.” Uns dizem que a minha Mãe é feiticeira, outros que a minha Mãe é burra, outros que a minha Mãe é ultrapassada, outros por que a minha Mãe é isto ou outro, então ela não deve ligar a essas coisas, ela deve de estar na grandeza, ela nos fez com muito amor e carinho.

Kwiri é o titulo de um livro/disco que foi lançado oficialmente a 13 de Dezembro do ano passado, mas nunca tínhamos apresentado esta obra musical publicamente.

A: No poster diz que vai haver convidados, quem são? 

RC: Os convidados que nós vamos ter são praticamente os colegas que fizeram parte do disco, aqueles que as suas agendas o permitiram. Foi gravado durante alguns períodos, em que eu tinha tempo de ir ao estúdio. Temos um grupo de crianças, entre elas crianças da minha família, meus sobrinhos, netos, em que eles fazem parte de uma música que é relacionada com a educação, é um apelo a que qualquer pessoa estude, tanto mulheres, homens, crianças, adultos, todos devemos estudar. E as razões pelas quais devemos estudar. E qual é a nossa maior aspiração? É que devemos fazer da escola um jardim, e cada criança uma flor. Tirando do dizer do Presidente Samora Machel, em que uma escola é a base para o povo tomar o poder. Juntando essas duas afirmações, fizemos uma brincadeira com as palavras de um fora artística. Queremos que cada escola seja isso, e que cada criança resolva os problemas que nós temos. Quais são os problemas? Há crianças que não tem escola, há crianças que não tem professor, há crianças que não tem sala de aula, há crianças que não tem o mínimo de condição para a sua sobrevivência. Não só é uma canção que diz respeito ao nosso Pais, mas que sai das fronteiras e vai para outros pontos do Mundo, em que uma criança merece estudar, merece crescer.  

Temos também uma canção na qual a participação é da Yolanda Cacana, do grupo “Kakana”, em que é um poema chamado “Lirandzo”, que significa amor. Faço um duelo com ela, em uma canção que reflete o amor que anda escondido em nós, mas que é testemunhado pela Natureza, pelas árvores, pelo chão, pelas praias onde rebulamos e brincamos, que testemunha o amor que temos dentro de nós. É um tema mais ou menos amoroso que é interessante ouvir.

O rapper S.G (Xtiku Ni Mbaula) faz parte de uma outra canção, onde chamamos a atenção às moças, na qual dizemos que as meninas não devem provocar. O “machadinho”, não afies muito o machado, pois pode te cortar, isto é, não atices as apetências das pessoas mal-intencionadas por que podem te fazer mal. Andar ai mal trajada em locais que não são próprios para tal, é muito mau, mas também indicamos um caminho. É em adulto que a chaleira está sempre a ferver, é em adulto que podemos acender uma fogueira, isto é, é em adulto que o fogo do amor pode ser alimentado, quando as crianças já estão crescidas para esse efeito. Também o grupo do Tufo da Mafalala também faz parte desta canção…fizemos uma brincadeira entre o Hip Hop e a música tradicional…que ficou muito interessante. Também convidamos a rainha da Mafalala, a rainha do Tufo e suas colegas, para fazerem parte do nosso trabalho. Este show tem a particularidade de ter a participação de alguns músicos, o cantor Nelton Miranda, o guitarrista Fadir, o baterista Cima, o percussionista Samito Tembe. A outra parte interessante nisto é que eu faço este trabalho baseado em o que é a minha família. A minha esposa, meus filhos, minha cunhada, fazem parte deste trabalho. A minha esposa também interpreta um tema, os meus filhos tocam guitarra connosco, e é interessante sentir esta parte. A família é a base de uma sociedade, do que me vale ser tudo o que sou sem ter esse aconchego da família.. A minha filha mais nova vai fazer abertura do concerto, ela em particular fez a Escola de Dança mas ela vai emprestar um pouco da sua voz para abrir o concerto.


A Equipa do Acontece agradece ao músico Roberto Chitsondzo pela atenção e respeito em falar connosco. Obrigado e muito sucesso!

Equipa acontece