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Cheny Wa gune, músico moçambicano, cantor, compositor e “tocador” não só de M’bila, M’bira, Xitende, mas da alma de quem escuta suas musicas. A equipe do Acontece sentou-se com ele, para falar sobre sua vida e o grande regresso de Timbila Muzimba aos palcos, seus projetos e seus desejos.

@Acontece: Cheny Wa Gune, quando começou a sua grande viagem pela estrada da música?

Cheny Wa Gune: Diria que nasci no berço da música, nasci em uma casa que sempre se tocou música. Mais concretamente através do meu tio, que faz parte da Companhia Nacional de Canto e Dança. Portanto, tive esse privilégio de ouvir música quase todos os dias, e acompanhar os concertos da Companhia Nacional de Canto e Dança. Eu tinha grande admiração por eles, ficava fascinado pois naquela altura eles viajavam por quase todo o Mundo. Ele foi, e é, como um ídolo para mim. Em 1992, ele formou uma Escola, chamada “Novos Reis”, por que na Comunidade da Unidade 7, uma Comunidade Chope, ou maioritariamente Chope, na minha geração, notava-se um fraco empenho, logo criaram essa escola financiada pelos Países Baixos. Foi a partir dai que nós vimos que tínhamos talento, tínhamos uma atividade regular: Íamos para a escola e depois, no final do dia, praticávamos, tínhamos um reportório, recebíamos monitores que nos ensinavam a dançar ritmos Tradicionais Moçambicanos…Depois passei pelos Continuadores, em 1994/1995…dai foi Timbila Muzimba…então para dizer que não foi algo automático, foi, e é algo que fez parte do meu crescimento, da minha evolução como pessoa, da minha família, dos meus amigos e colegas. Resumindo, já tenho contacto com música desde pequeno, se calhar dizer que profissionalmente foi quando começamos com Timbila Muzimba, pois ai já ganhávamos o nosso dinheiro, e já não era em um palco a céu aberto lá na zona e sim em palcos mais convencionais aqui da praça.

@Acontece: Sentiu alguma vez, no percurso de sua vida, que a música tradicional moçambicana é ouvida e sentida nos corações das pessoas, em algum País Estrangeiro em que fez um show?

Cheny Wa Gune: Sempre aderiram, por que há uma coisa muito curiosa na nossa música, os instrumentos que nós tocamos tem uma particularidade diferente, a sua tonalidade chama atenção. As pessoas ficam a questionar “o que é isto?”, e pela beleza da sua música também. Podemos dizer que temos todos os requisitos e ingredientes para tocar e impressionar as pessoas. Por acaso isso é uma das coisas que nos tem motivado, o respeito e a valorização que a gente tem no Mundo fora, onde a gente leva a nossa arte.



@Acontece: E alguma vez sentiu o oposto?

Cheny Wa Gune: Posso dizer que poucas vezes...eu toco um instrumento meio “temperado”, de madeira, de lâminas de madeira, e dependendo da temperatura, às vezes ele vai oscilar a sua afinação, e quando é assim para reajustar não é fácil, tens de esculpir a madeira. Então para fazer uma fusão com outros instrumentos, eles devem ir ao meu encontro e não eu ir ao encontro deles…é aborrecido pedir aos outros músicos para mudarem a sua afinação, por que a minha timbila está com um tom um pouco fora da frequência, que é os 440 de afinação internacional. Para alguns músicos foi desconfortável, pois tivemos de recambiar tudo, para mim foi frustrante. Tive de falar com o produtor do festival, explicar que para eles que tocam instrumentos de corda, é fácil, é só reajustar a afinação, igualmente para teclados, que hoje em dia não é preciso chamar um afinador…foi uma batalha para conseguir…depois isto tudo ficou uma piada meio “sarcástica”. Mas para mim ficou um aprendizado, agora quando convidam-me para ir tocar em algum festival, eu aviso que o meu instrumento comparta-se assim…dou estas descrições, se for para fazer uma fusão…pois nem sempre toco só as minhas músicas, muitas vezes acompanho músicos.

@Acontece : Para além de tocar em shows musicais, alguma vez colaborou para outro tipo de arte?

Cheny Wa Gune: Sim, por acaso colaboro constantemente para Teatro, tanto para Companhias Nacionais, como “Mutumbela Gogo”, quanto Internacionais como “Esfera”. Também já participei na trilha sonora de vários filmes Moçambicanos, quanto internacionais.

@Acontece: Timbila Muzimba, banda em que, de certeza, se sente mais em “casa”. Como se formou esta banda?

Cheny Wa Gune: Na verdade, a banda Timbila Muzimba formou-se no bairro da Unidade 7, recordando o meu tio Eduardo Durão, que recebeu financiamento para abrir a Escola “Novos Reis”, pelo reconhecimento que ele tinha, e ainda tem, pois ele dá aulas na ECA, e foi nessa altura que nós descobrimos que devíamos fazer alguma coisa na área da música. Ele depois criou uma banda chamada “The Phenomena of Precussion”, da Alemanha, e tinha uma residência musical. Vieram músicos de lá para se juntarem a ele e ao grupo dele. Na verdade fizeram aquilo que se chama “Jazz meet Timbila”. Essa fusão nos inspirou. Nós víamos lá na zona, bateria, viola baixo, saxofone, faziam música do Mundo, com o tradicional, misturavam vários géneros…e isso inspirou a mim, ao Lucas, ao Matchume…dai surgiu o sonho de um dia podermos fazer uma mistura dessas.

Nós nascemos na zona periférica da cidade de Maputo, no bairro Unidade 7,nós frequentávamos a cidade quando houvessem espetáculos, quando o grupo era chamado para participar. Mas mesmo assim, quando começamos a frequentar o grupo dos Continuadores, nós já tínhamos feito amigos, e lá monitorávamos as danças tradicionais moçambicanas, etc …Assim descobrimos um sítio onde tocava-se música ao vivo nas sessões de domingo, o “Big Jam”, no “Tchova Xita Tumba”, na altura. Vimos que eram jovens como nós, haviam novos talentos. No domingo seguinte, eu e Matchume decidimos levar uma Timbila…lembro-me que íamos apanhar um Chapa, que por acaso não nos deixaram subir, portanto fomos do Bairro do Jardim até ao Bairro do Museu, a pé, a carregar a Timbila e um Bombo, pois às vezes ele fazia percussão e eu às vezes fazia Timbila. Então participamos do “Big Jam” e foi um sucesso. Lembro-me que os outros artistas apoiaram a nossa dupla com baixo e bateria, aquilo que estávamos à procura, para fazer a fusão. Por acaso a Direção pediu-nos para que voltássemos todos os domingos, onde começamos a receber subsídio de transporte. Foi aí que começamos a fazer a fusão, foram aparecendo pessoas para cantar, como a Tânia e a Tinoca. Depois o Lucas…e o Tony, mais tarde, quando participamos no Crossroads…foi assim que basicamente nasceu Timbila Muzimba, uma fusão de jovens da periferia com da cidade, sem querer diferenciar, mas nós trazíamos o tradicional e os da cidade o convencional.

@Acontece: “O Regresso”, show de Timbila Muzimba, que significado tem esta palavra para o grupo?

Cheny Wa Gune : Timbila Muzimba ficou 10 anos sem fazer nenhum Tour, desde 2008, última vez que fizemos um show, que foi para Serpa, em Portugal. Depois dai, cada um fez a sua vida, seus projetos, suas famílias...tivemos que dar atenção a esse chamado. Timbila Muzimba ficou meio esquecido, mas com a MMM, onde vieram vários produtores internacionais, e viram a nossa participação no MMM, viram o nosso potencial…fizeram um convite para fazer um Tour, de 1 mês. Fomos a Bélgica, Portugal e Espanha…triunfamos e foi um sucesso! Logo tivemos a ideia de fazer um show para confraternizar com os nossos seguidores Moçambicanos, como um relatório de como foi o nosso Tour…dai o nome “O Regresso”.

@Acontece: Tem agenda para outros shows de Timbila Muzimba?

Cheny Wa Gune: Como se sabe aqui em Moçambique é difícil fazer um concerto, Timbila Muzimba é uma banda de oito pessoas, usamos instrumentos de captação, é uma produção muito grande… Nós estamos a fazer aqui no CCFM pois eles nos facilitam com o palco, o som, a luz, os técnicos, e nós não temos uma estrutura ou um empresário que arrisque alugar uma sala e nós fazermos a produção. Mas nós nos comprometemos com o público e podemos fazer um a dois concertos por ano. Este ano será o último show, mas estamos sempre abertos a convites.

@Acontece: E shows do Cheny Wa Gune?

Cheny Wa Gune: Meus concertos serão pequenos, no Núcleo D’Arte, Uptown e o Jazz Spoon…por enquanto são estes para este ano…também faço shows em casamentos, festas privadas,etc.

@Acontece: Sendo a musica uma língua universal, acha que ela pode acabar com “desavenças”?

Cheny Wa Gune: Acredito que sim, a música envolve emoções. Há uma expressão que gosto muito, dita por David Abílio, que diz “aquilo que a política separa, a arte ou a cultura une”. Quando há música, confraternização entre pessoas, as pessoas unem-se, estão mais juntas, a música mexe com a alma delas. Nós temos fãs que são de várias etnias, religiões, partidos políticos, que se unem para ouvir, disfrutar e deliciarem-se da música.

@Acontece: Face á crise em que Moçambique está a enfrentar, o que acha que o Governo devia de fazer para ajudar na preservação da arte?

Cheny Wa Gune: Bem, eu acho que a crise não se nota muito quando as pessoas promovem várias festas, sinto que a crise aparece quando pagamos a eletricidade, a água…a multa…o combustível, a renda. Mas às vezes eu vejo como os jovens esbanjam, como os jovens curtem…e às vezes como os poderosos aparecem. Hoje em dia, eu vejo no Facebook, as pessoas a ostentarem o que têm, parece que perdeu-se um “bocadinho” da moral, de saber estar, de saber viver. Para que quê eu vou ostentar sabendo que outros não tem?

Eu acho que o Governo devia de estar no acompanhamento, isto é, na proteção ao artista. Por acaso, estive ainda hoje em uma formação, que ainda não acabou, que tem a ver com “Industrias Culturais Criativas”, e eles estavam dar essa formação para saber até que ponto o artista está protegido, até que ponto o artista tem os seus direito e deveres, até que ponto o artista pode estar vulnerável mesmo a cometer uma inflação sem ele se aperceber. Eu acho que é este tipo de apoio que se deve dar ao artista, é um certo acompanhamento, e tentar melhorar um pouco daquilo que é o sistema. Vejamos, nas artes, o artista é compositor e dono de sua obra, e esta deve de ser protegida, mas o nível de pirataria aqui em Moçambique é assustador. Acredito que houveram companhias ou agências que quiseram se instalar aqui em Moçambique, mas abandonaram pois viram que o nível de pirataria é grande. É preciso fazer um trabalho de base, e isso na verdade não é um trabalho só de uma associação, de uma pessoa, de um famoso, do Governo, é algo que não visa só proteger o próprio artista mas também o património cultural.

É triste ver um artista que gastou dinheiro, tempo, a compor, a masterizar ver suas obras a serem vendidas na rua, por um preço que não vale e não lhe chega às mãos.

Há muito que ainda se tem de fazer, na área de produção. O próprio artista também deve dar qualidade Eu parto do princípio que quando eu vou tocar, no concerto, duas ou três pessoas irem ter comigo e dizerem que gostaram do show, faz me acreditar que o show foi bom.Temos de saber servir as pessoas, não só tocar. Para ter qualidade, devemos tocar, devemos praticar. O tocar não parte só de ir ensaiar, fazer “sound check” e depois fazer o show. Parte do próprio artista, dos valores que este tem, do praticar, do praticar sempre. Se és músicos, pratica o teu instrumento se és vocalista, pratica a tua voz.